sábado, 28 de julho de 2012

Aquilo que nos define

Sempre acreditei na força e no poder de recuperação, pois quando fui testada, ainda muito nova, foi esse o suporte que tive para não sucumbir.

Aos 16 anos eu perdi abruptamente meu pilar. Eu tive raiva de Deus, de mim e do mundo.

Transformei a raiva em acertividade, em suporte. Só de raiva eu fui feliz. Só de raiva não virei uma adicta, pois não suportaria a idéia de ser dependente de ninguém e de nada.

Eu, que era tímida e mais interessada no universo interno, me rebelei, liguei o foda-se, desci ao Hades e negociei alguns passes com o Diabo. Na época não me dei conta de que quase que constantemente colocava minha vida em risco, afinal nada me interessava muito e eu criara uma casca tão grossa, que pra sentir alguma coisa tinha que ser muito intenso.

Perdi a suavidade, a inocência e a fé ao mesmo tempo. Me enfiei em relações, intensas, abertas e as vezes destrutivas.

Acredito que me tornei terapeuta por isso. Vi e vivi meus demônios com a coragem de um suicida. O que me trouxe de volta para o mundo dos vivos foi meu processo terapêutico.

Por longos anos isso me definiu como pessoa: a crença de que não precisava de nada, nem de ninguém para ser feliz. A fé inabalável no poder humano de ressuscitar das cinzas! Com isso me sentia inteira, livre, e capaz. Era uma existencialista nata.

Até que um dia, a bússola quebrou e o mundo como o concebia, perdeu o sentido.

Eu não cabia mais nesse lugar, um buraco gigantesco foi aberto no meu escudo. Ele tinha nome, rosto, tudo. Chamava-se Manuela, e tinha acabado de nascer. Minha auto suficiência foi pro brejo e levou com ela minha forma de estar no mundo. Precisei me reinventar e aceitar esse amor incondicional ditando novas regras. Não foi fácil nem rápido, mas inevitável.

Ontem conversando com uma paciente querida revisitei este momento. Quando a gente se depara com nossa última fronteira. E vemos que não cabemos mais naquilo nos definia, que de repente o lugar de onde olhávamos o mundo, simplesmente mudou e somos arremessados para um território novo, sem bússola ou proteção.

Essa é a hora de sermos criativos e ampliar nosso repertório emocional e vivencial.

Quando o mundo da forma que o vemos passa a não fazer mais sentido, é hora de mudar de lente. Demora um pouco mais um dia, olhando pra traz, podemos ver que aquilo que a princípio parecia ser uma ameaça era na verdade um presente.

3 comentários:

Anônimo disse...

Não tenho dúvidas que sou essa paciente! te amo! por você me ajudar cada dia a descobrir ainda mais quem eu sou... e a me reinventar. Obrigada!!!!

Anônimo disse...

muito bom!

Nanda Mac Dowell disse...

Mo, certamente não sou a paciente que vc se refere! Pelos seguintes motivos:

1. vc teria me dito que eu sou essa pessoa!
2. minha bússola ainda não quebrou (maybe next year, aos 30), e ainda estou na fase existencial olhando para o meu próprio umbigo...
3. eu teria colocado meu nome no comentário!!!!
4. O meu comentário teria alguma piadinha ou piada interna que vc iria entender

De resto, acho que vc falou que baseou esse texto em outra paciente mas algumas partes me encontrei nas suas palavras!!! Acho que de repente ela só tem mais "progresso" que eu está "na minha frente". Juro que estou pensando agora e não sei se isso é bom ou ruim!
Se as coisas pioram ou melhoram depois da bússola!!!
O texto está piorando a minha insonia pq realmente está muito bom e vc tocou na ferida...

enfim, amei demais o texto!!! de fato, vc é a terapeuta com mais personalidade, eficaz e prestativa que eu conheço!!! Sem dúvidas a pessoa que mais ajuda todas nós a TENTARMOS ser pessoas sãs (como é difícil mas a gente tenta ahahahah!, nem que as vezes a gente tenha que pedir uma "ajudinha" para os "universitários") ahahah.

Beijos,
nanda