sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Visita ao Labirinto

Gosto de visitar a loucura, saber o que há lá. Tenho medo. Receio entrar e não achar a saída. Imagino um labirinto, que cerceia a genialidade. Entre a genialidade e a loucura há uma membrana fina, muito fina. O louco se perdeu, não achou a saída. O gênio consegue ir e voltar.
Não à toa escolhi essa profissão. Terapeuta é aquele que se autoriza ser visitante neste universo. Investigar o não palpável, admitir um mundo construído através de lembranças e sensações. As lacunas de memória são preenchidas pela imaginação. Como separar o que é fato do que foi construído? Pra mim não se separa, por isso não investigo muito o porque, não me interesso tanto pelo passado do paciente.
Meu foco é como ele percebe o que está acontecendo com ele agora. Como ele chegou até aqui. Aí é inevitável que o passado apareça. Todos nós temos uma história que nos fez chegar aqui. Por isso me interesso tanto pelas escolhas, quero saber como fizeram essa seleção do que servia ou não pras suas vidas.
Trabalhar com psicóticos é visitar a loucura alheia. Trabalhar com neuróticos é visitar a minha loucura, esbarrar em meus pontos cegos, me olhar no espelho!
Escrever é a minha saída, meu fio de Ariadne.
Pra quem não conhece esse mito: A linda Ariadne se apaixona pelo jovem Teseu que vai a sua Ilha lutar contra o Minotauro. Ariadne dá a Teseu um novelo que lhe possibilita sair com vida do Labirinto, onde o bicho habitava.
Gosto dessa imagem. Acredito que terapia é um pouco isso. Vou trançando um fio com meu paciente para que nenhum de nós se perca em nossos labirintos.
Entrar no labirinto é um processo arriscado de autoconhecimento. Depois que se inicia, não tem mais volta. Uma vez que olhamos pra dentro e descobrimos quem somos, quais nossas dificuldades e potencialidades, não tem mais como usar velhos mecanismos de defesa. Não há como esconder dos olhos e do coração aquilo que estamos vendo. É aí que começamos a sair da neurose. Paramos de correr atrás do próprio rabo.
A loucura pode ser criativa, inventiva e restauradora. É preciso se arriscar para visitá-la neste labirinto! A questão é o que ou quem será seu fio de Ariadne?

11 comentários:

Anônimo disse...

bonito isso! eu tô aqui pensando o que pode ser meu fio de Ariadne. bjs

Anônimo disse...

"O louco se perdeu, não achou a saída. O gênio consegue ir e voltar."
Adorei isso.
tAMBEM GOSTO DE VISITAR MINHA LOUCURA. BJS

Anônimo disse...

Ontem eu estava em Sampa, indo fazer um trabalho entre cidades, quando recebi a ligacao de um cliente (psi) que me disse que estava indo bem, procurando o "eu" dele...ai eu disse, sob a influencia paulistana: Orra meu, vou ficar mto preocupaco com isto que vc falou, pois sendo psi e procurando, eu, um advogado que lido com as ansiedades dos outros, nao terei esta oportunidade. E rimos.

Eu adoro visitar um labirinto, sofrer quando tenho que sofrer, sentir um certo que de loucura num buraco que sou jogado...o que me salva é a consciência de que não devo cavar mais...bom ler este tema para o finde...beijo, Figura

Rodrigo Ferrari disse...

Já se vão mais de 30 anos quando, no Playcenter de SP, entrei pela primeira vez num labirinto. Era todo feito de espelhos e eu, preso nos meus reflexos, chorei - como criança que era - até que abrissem uma porta e me deixassem sair.

Não muito tempo depois descobri que de alguns labirintos não basta chorar para sair deles.

Já cientista, percebi que se eu andasse pelo labirinto com a mão sempre junto à parede, bastaria caminhar para sair do outro lado. Mas a maioria dos labirintos que entramos não têm paredes. Nem chão, nem teto. E não, nem tampouco fica na rua dos bobos.

Hoje, relembrando aquela tarde no parque de diversões, vejo que não à toa o labirinto era revestido de espelhos. Afinal, tudo o que se aprende sobre a natureza humana, aprende-se consigo mesmo.

Anônimo disse...

Monica, to numa parte daquele livro que te mostrei que fala exatamente sobre isso! Muito surreal voce ter escrito sobre essa tema....

E engraçado (ou nao) voce ter citado a imaginaçao como ferramenta pra ocupar lacunas da memoria. Digo engraçado pois sempre creditei um bom percentual a imaginação dos grandes acontecimentos intelectuais da historia. Einstein ja dizia "A imaginação é mais importante que o conhecimento".

Porem no livro a diferença entre redes neurais altamente potentes (ou "geniais") se da pela capacidade de um sistema de perceber uma similiradade onde ninguem havia percebido antes(imaginação! Associação! TENTATIVA E ERRO!!). So que a percepção de uma similiraridade é um fenomeno que depende da memoria, do contrario o novo nao teria como ser similar a nada no "banco de dados"(memoria como fator novo na equação dos "genios"!).

No entanto existe uma diferença muito tenue entre ver similiridade genial (o famoso "pulo do gato") e uma similaridade "absurda" que leva a maioria a considerar como louca. Demais o tema! Da vontade de ficar debatendo horas sobre a ramificações!

Beijos!!

luiza medeiros disse...

Gostaria de compartilhar uma letra que me toca muito ... acho que faz sentido...
Paciência
Lenine
Composição: Lenine e Dudu Falcão

Mesmo quando tudo pede
Um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede
Um pouco mais de alma
A vida não pára...

Enquanto o tempo
Acelera e pede pressa
Eu me recuso faço hora
Vou na valsa
A vida é tão rara...

Enquanto todo mundo
Espera a cura do mal
E a loucura finge
Que isso tudo é normal
Eu finjo ter paciência...

O mundo vai girando
Cada vez mais veloz
A gente espera do mundo
E o mundo espera de nós
Um pouco mais de paciência...

Será que é tempo
Que lhe falta prá perceber?
Será que temos esse tempo
Prá perder?
E quem quer saber?
A vida é tão rara
Tão rara...

Mesmo quando tudo pede
Um pouco mais de calma
Mesmo quando o corpo pede
Um pouco mais de alma
Eu sei, a vida não pára
A vida não pára não...

Será que é tempo
Que lhe falta prá perceber?
Será que temos esse tempo
Prá perder?
E quem quer saber?
A vida é tão rara
Tão rara...

Mesmo quando tudo pede
Um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede
Um pouco mais de alma
Eu sei, a vida não pára
A vida não pára não...

A vida não pára!...
A vida é tão rara!...

Anônimo disse...

Perfeito. Ando cruzando essa linha ultimamente... entrando e saindo do labirinto. ainda bem que tenho meu fiozinho de Ariadne. pensando bem tenho alguns fios, meus filhos, minha mulher, meus amigos, minha terapia. aBRAÇOS.

Anônimo disse...

Gostei muito da imagem de labirinto pra falar de dentro, da loucura que mora dentro de nós. pensando assim concordo com Rodrigo Ferrari qunado ele comenta que não é a toa que o labirinto é feito de espelhos, temos que tomar cuidado pra não olhar demais pro espelho e perder a saida. A imagem refletida as vezes engana...

Anônimo disse...

Maravilhoso. O texto e os comentários!
Bjs,
Amelia

Monica Guinle disse...

Os comentários foram um espetáculo a parte. obrigado a todos que escreveram de forma tão intensa e verdadeira.
Muitoooo bom mesmo!

Anônimo disse...

SUA PROFISSÃO É INTRIGANTE E VOCÊ TEM QUE SER UM POUCO DE GÊNIO E UM POUCO LOUCO PARA PODER DECIFRAR E EMBARCAR EM TODAS AS EXPERIÊNCIAS QUE SÃO SUBMETIDAS À VOCE. DEVE SER MUITO INTERESSANTE PODER AJUDAR ALGUÉM A SAIR DO LABIRINTO ... OU ENCORAJAR ALGUÉM A ENTRAR ...
EU PREFIRO FICAR FORA . ACHO QUE POSSO EXPERIMENTAR A LOUCURA E GOSTAR ...E FICAR LÁ SEM QUERER SAIR ... SE ISTO ACONTECER PODE TER CERTEZA QUE VOCÊ É A ESCOLHIDA PARA ME AJUDAR A SAIR.

BEIJOS MONIQUINHA
HEYDER